O primeiro de muitos
Era noite de lua cheia. "Noite de lua cheia não chove, Rafa, fica tranquilo. Aprendi isso observando o céu em Caiobá" - argumentou Nanan, meu irmão, após passarmos o som as nove da noite. Mas o tempo estava estranho e não sabíamos se iria dar alguém no bar (Trip Tattoo) ou não. Rock na Cidade Canção é uma loteria.
Felizmente, não haviam muitas festas rolando na sexta-feira em Maringá. O tempo estava firme no começo da noite e muita gente estava com motivos para celebrar. Afinal, centenas de acadêmicos da Universidade Estadual de Maringá estavam com o tão esperado diploma na mão pela primeira vez naquela noite de vinte e nove de janeiro de dois mil e dez, incluindo meus ex-colegas e grandes amigos do curso de Direito.
Após jantarmos com o meu melhor amigo Michel e seus familiares no Villa Italia, partimos para a tão esperada festa, divulgada em apenas uma semana por blogs (Espora de Galo, Sonic Flower Club, Zombilly), twitter e alguns panfletos feitos por mim e distribuídos no Bar do Bill e no Manhattan.
O line up estava firme e homogêneo. Três bandas autorais, com estilo musical litorâneo/praiano. Duas bandas de surf music - Os Bandidos Molhados e Brian Oblivion & Seus Raios Catódicos - e uma banda de samba-rock funkeado - Nanan, nossa nova banda.
Chegamos por volta de quinze pra meia-noite (horário em que os bêbados londrinos estão indo embora dos pubs ingleses) e ficamos felizes ao notarmos que o bar estava com um número considerável de pessoas e muitos amigos. Entretanto, o céu estava começando a se movimentar de forma sinistra.
Meia-noite, a banda estava toda reunida: eu, Nanan, Rocha (bateria), Shiozaki (baixo), junto com os nossos convidados especiais da noite, Roger (accordeon/gaita) e Davi (percussão). A fila da entrada do bar crescia sem parar, aumentando as expectativas para noite de música que estava prester a começar.
Não demorou muito para o céu lacrimejar. Os primeiros minutos do dia trinta de janeiro foram molhados, espremendo o pessoal todo para dentro da casa. A pista (de frente pro palco) ainda estava tímida, com poucas pessoas dentro. A maioria não estava dançando ao som dos DJs do programa Filé com Fritas, mas simplesmente pegando uma bebida no bar.
O clima estava bom. Chovia, sim, mas a casa estava cheia. Muitos músicos da nova geração da cidade estavam lá, como o pessoal do Zé Ferreira & Seus Amigos, do Draw The Line, do Hospital Doors e de outras bandas. Muitos recém-graduados também completavam o cenário, trazendo mais alegria para o bar, em clima de celebração.
Meia-noite e quarenta, Os Bandidos Molhados foram para o palco e começaram a arrumar os instrumentos. A pista começou a encher.
Após alguns minutos de preparação, Marco, Benites, Caio e Vinnie iniciaram um set de vinte músicas que transformou a visão (ou os ouvidos!) de todos os presentes em obra-viva de Tarantino e suas trilhas sonoras. Mesclaram músicas dos dois EPs lançados em 2009 (Surfando em Terras Vermelhas e De Cienfuegos a Habana) com clássicos da surf music, como Surfin' Bird, Misirlou e Wipe Out:
"Benites e sua Fender Telecaster" (fotos: Jorge Mariano)
Confira o vídeo e os gritos histéricos das namoradas dos integrantes:
O calor se intensificava com os passos de dança do público. O bar não parava de vender bebidas geladas. Mesmo com músicas instrumentais, Os Bandidos Molhados agitaram o público maringaense com suas guitarras californianas. Com vocais o pessoal cantou junto, como em "Me Dá um Olá", homenageando o Ultraje a Rigor - um dos pontos altos da apresentação, bem como quando tocaram a música que leva o nome do primeiro disco.
"Marco - desta vez, sem caretas"
Na décima oitava música, parei de dançar e - completamente suado com minha dose de Jack Daniels na mão - fui para o backstage com a banda. O quartinho dos fundos estava tão quente quanto a pista, mas a agitação era grande. Rocha, Roger, Shoza, Nanan, Davi, todo mundo ansioso pra começar a apresentação das músicas do Nanan. Qual seria a reação do público? Não é fácil tocar músicas próprias sem ter lançado um disco. Pelo menos, muitos amigos conheciam as músicas de rodas de violão ou das versões acústicas disponíveis no MySpace.
Instrumentos afinados, copos de cerveja cheios. Era uma e meia da manhã quando subimos ao palco, plugando os instrumentos e regulando os microfones para a gaita e para a percussão. Após uma introdução na bateria, ouvimos o grito da galera ao reconhecer os acordes de Pitoca, música que abriu o show.
O palco estava quente. Naquele momento eu soube porque os integrantes dos Bandidos Molhados estavam realmente molhados. Após a agitação de Pitoca, mandamos a loshermanística Vai Dizer, música muito apreciada pelos amigos da banda, que cantaram em coro na frente do palco.
Depois foi a vez de fazer todo o bar cantar. Nanan puxou uma versão de Maracatu Atômico, acompanhado pela banda com muita pegada, distorção e uma solinho de bossa nova de três notas. O clima era contagiante. Do palco, pude observar os olhares animados do público, que dançava e cantava com suas latas de cerveja na mão. Do lado do palco, Andye Iore (jornalista e criador do Zombilly) não dançava e não apreciava o som neo-MPB, mas nos observava com bons olhos.
De Maracatu, a banda mandou o riff bacana de Casa da Esquina (com suas influências zeppelianas e de Rage Against The Machine, mesclado com ritmos dançantes brasileiros), que manteve o bom clima animado do começo do show, com solos incansáveis de Roger na gaita. No final da música, pintou uma brincadeira vocal com The Ocean, do Led Zeppelin, tocando na sequencia a funkeada música Clube dos Magrelos - música inédita da banda, que não estará incluída no disco de estreia deste ano.
Após as diversas músicas da banda, foi a hora de homenagear uma das grandes influências das composições de Renan Zanatta, Tim Maia, na fase "Racional". Pra loucura dos bêbados relaxados, tocamos na hora (de supetão, Renan pediu pra tocarmos e me passou os acordes no ouvido) Que Beleza, clássico-mor de Tim em sua fase chapada.
De Tim, partimos para a singela e calma Morena, música que Nanan fez para Márcia, nossa mãe. Foi uma música difícil de executar, pois é muito calma e sentimental. Mas mesmo assim, o clima do show não se perdeu. Foi o tempo do pessoal recarregar a bebida no copo.
"Falsetes, na música mais lenta da banda"
De Morena, veio a hora de homenagearmos uma das bandas alternativas mais bacanas do cenário americano: o Pixies. Tocamos Hey, que foi cantada por quase todos os presentes no bar, incluindo o baterista Rocha, que a cantou antes de partir pra bateria!
"Rochera, que surpreendeu até mesmo a banda ao pegar o microfone"
Partimos então para a parte mais inusitada do show. Executamos O Pescador com um belo acompanhamento de accordeon (a famosa sanfona). Foi algo belo e muito musical, pois Pescador é uma música que tem elementos regionais muito fortes, desde a letra até a melodia dos instrumentos de corda. Quem estava presente teve contato com algo diferente no rock maringaense.
"Wolf Roger, uma lenda urbana multi-instrumentista"
De Pescador ligou-se a introdução carregada em delay de Pra te Alegrar, música animada que fez todo mundo se movimentar na pista. Nanan, com sua mão pesada, arrebentou uma corda do violão e continuou tocando. Um minuto depois, arrebentou outra corda e largou do violão - o que agitou ainda mais o pessoal. Ficamos apenas em bateria, percussão, baixo, guitarra e solos de gaita bluesísticos.
"Nanan, que largou mão dos violões sem corda e ficou como um legítimo frontman"
Renan pegou outro violão - um de cordas de aço - e então tocamos a música mais progressiva da banda, Um Sonho que Tive. A reação foi diferente. Não é uma música dançante, nem animada. É lenta, sofrida e viajada. Mesmo com todos os elementos de complexidade, foi bem recebida pelo pessoal, que aplaudiu bem.
"Shiozaki, um dos raros baixistas orientais no mundo"
De volta pra animação, foi a vez do primeiro cover em língua inglesa da noite, com What I Got, do Sublime, outra banda que influenciou muito Renan nesses últimos dois anos no litoral paranaense. O upbeat da música foi contagiante.
Então veio o ponto alto do show, com muita imunização racional. Guiné Bissau, Moçambique e Angola de Tim Maia foi cantada em conjunto pela galera no clássico refrão "numa relax, numa tranquila, numa boa!". Com muito suor e swingue, Guiné Bissau se transformou em No Caminho do Bem, outro clássico eterno dessa fase de ouro de Maia. Para a surpresa de todos, fizemos uma brincadeira com a música e encaixamos o solo de Time do Pink Floyd nela - o que me rendeu muitos elogios no final do show. Foi uma bela viagem sonora distorcida, retornando para o caminho do bem novamente. Nanan arrebentou outra corda, o que levou a galera ao delírio alcoólico. Não sei porque, mas as pessoas gostam de ver cordas arrebentando no palco!
"Michel, que já leu o livro 'O Universo Em Desencanto!'"
Então, voltamos com uma música nossa. Fechamos o som autoral com Sem Sentido, uma das músicas mais sem sentido de Nanan. O começo é cheio de efeitos, uma brincadeira estilo Sonic Youth, que depois entra numa batida Pavement, transformando-se num verso tipicamente brasileiro. O refrão é irônico: "Nada faz sentido / e eu sou um otário". Depois, a música muda de tempo, entrando numa viagem de percussão, baixo e bateria, com violões dissonantes, voltando para a batida alternativa estilo Pavement. Difícil de descrever e também de entender. Mas a intenção é essa.
O show era pra terminar ali. Mas os gritos de "Frank The Tank! Frank The Tank!" não paravam de ecoar. Ficamos em dúvida em tocar uma música do Frank (nossa antiga banda de rock) ou algum outro clássico. Rapidamente optamos pelo clássico TNT do AC/DC - que fez todo mundo levantar os punhos e gritar "OI! OI! OI!" no melhor estilo headbanger.
Assim, fechamos um show excelente, que conseguiu mostrar ao público maringaense as músicas próprias, com algumas homenagens às influências da banda. Uma noite suada. Mas na qual cada gota de suor saia do corpo com alegria.
Saímos do palco quase três e meia da manhã, deixando-o para a experiente banda Brian Oblivion & Seus Raios Catódicos, parceiros de longa data em Maringá (tocamos na República do guitarrista Gustavo em 2006, numa noite louca!).
Os amigos não paravam de chegar ao palco, me batendo nos ombros e elogiando o show. Passou tão rápido. Foi uma loucura. Mal tive tempo de tomar os dois copos de cerveja que estavam em cima do amplificador Marshall e matar a dose de JD.
O Brian Oblivion voltou com o bom e velho surf music, fazendo todos os presentes dançarem mesmo. Ninguém ficou parado e o nível alcoólico da galera já estava elevado.
Lá fora, muita conversa e ideias trocadas com músicos, amigos e conhecidos.
A noite não poderia ter sido melhor. Esse show do Nanan foi o primeiro de muitos que rolarão em Maringá, mesmo com a distância de mais de 650km entre o compositor/vocalista e o resto da banda.
Agora é torcer pro namoro à distância dar certo.
E que o disco de estreia (ainda não entitulado) conquiste mais e mais ouvintes.
0 Responses on "O primeiro de muitos"
Postar um comentário